Como em todas as
manhãs que Deus colocava no mundo, eles desceram no colo de sua dona, moradora
do quarto andar daquela torre de luxo, localizado em um condomínio com jardins
florescentes e bem cuidados. Era a rotina deles. Não que gostassem tanto, mas,
ao menos, folgavam um pouco de ficarem deslizando nos parquês e nas lajotas do
luxuoso apartamento de sua dona que não lhes dava folga com carinhos e apertos
sufocantes. Eles eram um casal daqueles pequeninos e de nariz chato,
penteados/descabelados para frente que quase não os deixavam enxergar. Aliás,
casal é modo de dizer porque os dois eram castrados.
No térreo, saíram,
portanto, do elevador quando se ouviu certa confusão de vozes e reclamações
irritadas mas contidas – como convém a pessoas educadas e finas -. Alguma coisa
havia que não era claramente explicada e mencionada entre os moradores que
deixavam o ascensor lotado. Alguma regra de boa educação em grupo havia sido
rompida.
Os dois, já no chão,
ele virou-se para ela e perguntou naquela linguagem que só cachorro conhece:
“Viste a confusão que fiz lá?” Ela estranhou a pergunta, mas já sabia que ele
gostava de aprontar alguma coisa sempre que pudesse, mas retrucou: “O que tens
que a ver com aquilo?” Ele, com seu sorriso canino de maroto, respondeu: “Eu
peidei dentro do elevador”. E seguiu,
bem tranquilo, farejando o canteiro como todos os dias fazia.