segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

O PRIMEIRO MILAGRE DO MENINO JESUS



 Isto aconteceu há muito tempo. Nem sei quando. Havia uma pequena aldeia em um recanto qualquer da Galileia. Os meninos daquele pequeno lugarejo jogavam bola como em tantos outros rincões que existiam por ali. Naquele tempo não haviam ainda inventado a bola de plástico nem a de borracha ou a de couro como é hoje. Naquele lugar a bola para o jogo era feita de bexiga de camelo ou de outro animal parecido com ele.

 Num daqueles azares, um guri chutou a bola para o lado errado e ela foi parar no meio do mato onde os espinhos fizeram um estrago inutilizando-a para o jogo. O autor do chute era um primo de Jesus. Todos os olhares, então, se voltaram para o tal menino de forma inamistosa, numa atitude de censura coletiva.

 “E agora? Como vamos continuar nosso jogo?

 A bola correu de mão em mão e o desânimo tomou conta de toda a turma.

 De repente, o autor do chute, que conhecia a história da vida dupla de Jesus porque era de sua família teve uma ideia. Correu para onde ele estava e mostrou-lhe a bola rasgada.

 “Resolve esse problema para nós”.

 “Não devo”, lhe diz Jesus sem pegar a bola.

 “Preferes deixar teus amigos sem jogar até que algum camelo morra de velho e possamos aproveitar a bexiga dele?”

 Passam-se alguns segundos sem que ninguém falasse e também sem entender aquele diálogo entre Jesus e seu primo. Agora todos os jogadores olham para Ele, mesmo sem saberem o que está acontecendo.

 Ele não diz nada; apenas pega a bola em suas mãos. Em seguida, todos voltam a jogar. É o primeiro milagre do Menino Jesus.















quarta-feira, 15 de novembro de 2017

VIDA DE CACHORRO - II


 Como em todas as manhãs que Deus colocava no mundo, eles desceram no colo de sua dona, moradora do quarto andar daquela torre de luxo, localizado em um condomínio com jardins florescentes e bem cuidados. Era a rotina deles. Não que gostassem tanto, mas, ao menos, folgavam um pouco de ficarem deslizando nos parquês e nas lajotas do luxuoso apartamento de sua dona que não lhes dava folga com carinhos e apertos sufocantes. Eles eram um casal daqueles pequeninos e de nariz chato, penteados/descabelados para frente que quase não os deixavam enxergar. Aliás, casal é modo de dizer porque os dois eram castrados.

 No térreo, saíram, portanto, do elevador quando se ouviu certa confusão de vozes e reclamações irritadas mas contidas – como convém a pessoas educadas e finas -. Alguma coisa havia que não era claramente explicada e mencionada entre os moradores que deixavam o ascensor lotado. Alguma regra de boa educação em grupo havia sido rompida.


 Os dois, já no chão, ele virou-se para ela e perguntou naquela linguagem que só cachorro conhece: “Viste a confusão que fiz lá?” Ela estranhou a pergunta, mas já sabia que ele gostava de aprontar alguma coisa sempre que pudesse, mas retrucou: “O que tens que a ver com aquilo?” Ele, com seu sorriso canino de maroto, respondeu: “Eu peidei dentro do elevador”.  E seguiu, bem tranquilo, farejando o canteiro como todos os dias fazia.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

VIDA DE CACHORRO - I



 Dois cães – uma cadela e um cachorro – sem raça definida sempre conversavam através de uma cerca em pátios de seus donos vizinhos: uma dona solteira e jovem com amigos que a visitavam seguidamente e um dono, também solteiro, que era um tremendo boa-vida e seguidamente promovia festas que varavam as madrugadas, perturbando toda a vizinhança.

 Eles (os cães) eram conhecidos pelos seus respectivos donos, ela como Violeta e, ele, como Diamante. O dono de Violeta, lhe dera esse nome porque havia namorado uma moça que tinha esse nome mas o romance, apesar de ter durado muito tempo, havia acabado com algum ressentimento de ambas partes. Ele era chamado por sua dona de Diamante porque ela considerava que seu valor para ela se comparava a dessa preciosa pedra.

 Aos sábados pela manhã, os dois caninos se encontravam na frente das residências enquanto seus donos, livres de seus afazeres profissionais dormiam cada qual em sua cama, claro. Eles mantinham um relacionamento de bons vizinhos e, também, às vezes, conversavam sobre trivialidades em eventuais encontros ao saírem ou chegarem do trabalho. Muitas vezes, referiam-se a essa amizade mantida pelos seus amigos ditos irracionais.

 Violeta e Diamante, às vezes, encontravam-se no pátio de frente da casa onde ela morava – a do vizinho porque cabia ao “cavalheiro” (no caso, o cachorro) pular o murinho que separava os dois terrenos, pois não seria uma “dama” (no caso, a cadela) que pularia uma cerca para visitar um macho, mesmo que fossem apenas amigos sinceros. Ali ficavam por algum tempo a comentar a vida no bairro, trocando idéias sobre a vida de cachorro burguês, que costumava ser bem melhor do que a de alguns humanos por ali.



quarta-feira, 28 de junho de 2017

A INVENÇÃO DO TEMPO - III



 De vez em quando, Deus se visibilizava para suas primeiras criaturas e dialogava com elas no maravilhoso habitat que Ele lhes havia proporcionado para que gozassem a vida em sempiterna bem-aventurança.

 Numa dessas visitas, mais uma vez, Adão, vencido pela necessidade de conhecer mais sobre o Universo, perguntou ao Senhor:

 “Pai (Já estava autorizado a chamar Deus de Pai) ainda não consegui entender o conceito de “infinito”. Como é o “infinito”?

 Deus fechou por um momento super-rápido os seus grandes olhos onipotentes e pensou em como responderia a essa questão de Adão. Deus, então, respondeu:


 “Filho. Devo confessar que, nessa questão tão complexa até eu tenho alguma dificuldade de entender”. E desvisibilizou-se novamente.

domingo, 28 de maio de 2017

MICROCONTO N. 3

REALIZAÇÃO
 Dizia aquela senhora para seu filho: "O importante para ser feliz, é fazer aquilo que a gente gosta, não é, Hitler?"

A ÚLTIMA BIBLIOTECA



 Corria o ano de 2300 DC. As criações tecnocientíficas super-evoluídas já eram consideradas o suprassumo da tecnologia desenvolvida pelos humanos.

 Parecia que nada mais havia para ser criado em qualquer ramo da ciência.

 Com a abundância, a humanidade rolava no tédio, fruto do “nãotemmaisnadadenovidade”. Tudo que podia ser inventado já fora. Todas as comodidades possíveis já estavam em funcionamento. Até o controle remoto agora era acionado através do pensamento. As pessoas voltaram, então – os saudosistas continuavam incorrigíveis - a querer ler uns livros, mas as bibliotecas haviam sido extintas. Surgiu, porém, um maluco teve a feliz ideia de arrecadar – em alguns lugares esquecidos e cheios de mofo – antigos objetos que haviam sido chamados de livro no passado longínquo. Vasculhou sótãos e porões do mundo inteiro já abandonados há muito tempo até encontrar alguns velhos e semidestruidos livros que haviam, milagrosamente, sobrevivido. Formou, então, uma pequeníssima biblioteca com pouco mais de uma centena de exemplares. Leu todos e ficou maravilhado porque redescobriu o prazer de ler uma folha impressa, sem luz para controlar e sem botões para apertar. Enfim, sem precisar ligar e desligar qualquer chave. Sem precisar utilizar qualquer tipo de energia a não ser a própria vontade e a de ter que abrir e fechar o livro quando tivesse que continuar ou interromper a leitura.

 Esse homem, em um dia de boas idéias, lembrou-se de compartilhar seu prazer com os demais sobreviventes do mundo. Não teve ideia de cobrar por isso porque naquelas alturas o dinheiro não circulava mais. As pessoas pegavam o que precisavam ou imaginavam precisar sem precisar comprá-las.

 E assim foi. Logo a fila dos interessados em ler livros era enorme. Quando alguém chegava, ele tinha apenas que anotar o nome e dizer a data em que o interessado poderia vir para ler um livro cujo título escolhia entre os poucos que existiam:

 “A sua leitura está marcada para o dia...Deixe ver...(Procurou em um grande livro de anotações, isto é, em seu computador manual. Aqui está. O livro que o senhor quer ler é muito requisitado. Fala de coisas que não existem mais: árvores, animais irracionais. É! Você terá que voltar no dia 16 de março de 2303, das 10h às 12h. Estamos com uma média de espera de três anos”.

 E falou para o seguinte da fila: “O próximo, por favor!”.


quinta-feira, 4 de maio de 2017

A INVENÇÃO DO TEMPO - II

 Deus pairava sobre o espaço esplendoroso habitado por Adão e Eva. Quando os humanos sentiram sua presença, logo se aproximaram. Tinham sede de saber mais alguma coisa sobre seu Criador e as maravilhas da criação colocadas a sua disposição.

 Eva, com sua curiosidade natural da espécie, foi a primeira a abordar o Senhor do Universo. Após uma curvatura respeitosa ela inquiriu:

 "Senhor, vem nos comunicar alguma novidade?"

 "Novidade, Eva? Como assim?", respondeu o Criador. E sumiu novamente.

MINICONTO N. 7

DECISÃO

 Aquele casal de gênios havia conseguido envenenar toda a humanidade. Disseminaram pelo mundo sementes geneticamente modificadas e agora a Terra estava estéril e deserta. Restavam só os dois para gerar um novo mundo, agora perfeito, como eles próprios haviam idealizado.

 Para isso haviam trabalhado incansavelmente. Até que um dia constataram que o estoque de alimentos seria suficiente somente para um deles sobreviver por algum tempo. Para o bem da ciência, e pelo surgimento de uma nova espécie humana, teriam que tomar uma decisão fatal para um dos dois...

domingo, 9 de abril de 2017

A INVENÇÃO DO TEMPO - I

 Assim que acabou de tornear aqueles dois entes - que depois chamou de homem e mulher - Deus lhes mostrou o que acabara de criar para que eles se deliciassem. Com tudo aquilo eles poderiam curtir a vida que iniciavam no mundo magnífico do paraíso. Aquelas criaturas, ao sentirem por todos os lados a maravilha da criação, não cabiam em si de contentes, mal podendo acreditar que houvesse tanta coisa criada simplesmente para alegrar a sua existência. Não conseguiam demonstrar toda sua felicidade. Era tudo deles e para sua satisfação.

 Aí Deus escutou suas manifestações com toda paciência e, depois de responder-lhes algumas perguntas, parou de falar-lhes e piscou seu grande olho onisciente para o restante do Universo e arrematou com um leve sinal de riso no semblante: "Mas agora vou criar o TEMPO". E desapareceu, deixando suas duas mais importantes obras em expectativa com aquela sensação de que não conseguiriam entender tudo...ou quase nada!

terça-feira, 21 de março de 2017

JANJÃO TAMBÉM PODE SER PRESO

 Estava eu, em um sábado pela manhã - depois de um daqueles "prende-e-solta" promovido por um conhecido juiz federal - caminhando pela Rua da Praia, assim como quem não quer nada, só para matar o tempo, quando me deparo com o Janjão. Logo o interpelei quando cheguei mais perto dele para saber de alguma novidade, que nessas coisas ele é especial.

 "E aí, Janjão, velho, como andam as coisas?"

 "Mal". Respondeu logo em seguida. "Infelizmente mal. Perigosas."

 "Como assim, perigosas?" Manifestei minha estranheza.

 "Pois não ouviste dizer que, agora, os próximos a serem presos vão ser os que têm nomes terminados em "ão"?"

 "Mas, homem, isso não pode ser critério para prender alguém!"

 "Poder, não pode, mas, na dúvida, vou tratar de ir sumindo por um tempo. Já estou sabendo que prender ou não-prender não depende muito de critério pelo que se tem visto. O critério agora é não ter critério."

 "Não sei o que dizer, Janjão. Mas, aonde vais com tanta pressa?"

 "Vou na casa do meu amigo Hamilto para avisar dessa nova para que ele também se cuide."

 "Espera um pouco! Agora não entendi! O que tem a ver Hamilto com um nome terminado em "ão"?"

 "Cara estás esquecendo que o apelido dele é "alemão"? Não sei se eles não vão considerar o apelido também. Aliás, isso está muito em voga, não é?"

 E continuou, apressando o passo a subir a rua em direção à Independência.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

APROVEITE AS FÉRIAS

Miniconto n. 4
Gostosura
- "Ah, como está gostoso".
- "Mais depressa, a mãe pode voltar. Acaba logo".
- "Tá bem, mas, amanhã, quero outra vez".
- "Impossível!".
- "Por que? É tão bom".
- "Não dá. Vai ser a sobremesa da noite. Não vai sobrar nada".

Microconto n. 7
Saudade
 Jogado num depósito de Delegacia, um velho cassetete de borracha "made in Brazil" se queixa a outro: "Ai, que saudade de 64".

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A FLORISTA


 “Boa tarde, senhora”.

 “...tarde, doutor. O que vai hoje?”

 “Hoje, rosas vermelhas. As mais lindas que a senhora tiver”.

 Era o ritual de todas as sextas-feiras, em final de tarde. Já haviam sido muitas delas. Com bom tempo; ou sem bom tempo; com sol radioso ou com chuva persistente. Sempre o mesmo local, a mesma pessoa, a mesma florista, a mesma hora. As flores é que poderiam variar conforme as que houvessem sido escolhidas na semana anterior. Não havia repetição em duas semanas seguidas.

 A variedade das cores e tons e o viço dos vegetais daquele pequeno recanto próximo a uma avenida movimentada, transformavam o asfalto em um belo jardim que atraia olhares dos passantes de final do dia. A semana estava terminava. Há os apressados que não se detém e os apressados que esquecem, por momentos, seu estresse para admirar o que enche os olhos de beleza e um pouco de paz que só o que é natural consegue.

 Ele mantinha o olhar fixo no que ela fazia. Nos menores detalhes: nos costumeiros e nos novos, se houvessem. As vezes, punha as mãos nos bolsos como se sentisse inseguro.

 Nesta sexta, volta a repetir-se o mesmo que em todas elas:

 “Boa tarde, senhora”.

 “...tarde, doutor. O que vai, hoje?”

 “Deixo para a senhora escolher. Hoje são do seu gosto”.

 Pagou, guardando a carteira no bolso do casaco e falou:

 Quando ela vai alcançar-lhe as flores, ele fala: “Esta é para entregar”

 “E o endereço qual é”, perguntou a florista.


 Ele responde: “Na verdade não sei. São para você”. E afastou-se sem dizer mais nada, pensado como seria na sexta-feira seguinte.