quinta-feira, 1 de março de 2012

A R A M B A R É

 Para quem ainda não sabe, Arambaré é uma pequena comunidade, emancipada há apenas 20 anos, situada à margem da nossa Laguna dos Patos, distante 140km de Porto Alegre. Foi formada de partes dos municípios de Camaquã e Tapes. É um balneário tranquilo que, na temporada de veraneio tem sua população de cerca de 4.000 "almas" (Essa é antiga!) aumentada para, segundo alguns, 20.000 ou mais, principalmente no período de final de ano e carnaval.

 Morei na cidade durante dez anos. Enquanto estive lá, procurei participar de tudo que entendi que pudesse contribuir para o crescimento da comunidade em todos os sentidos. Uma dessas atividades foi atuar como correspondente local, - com uma página semanal - do jornal Gazeta Regional, editado em Camaquã. Um dos trabalhos mais interessantes que tive oportunidade de divulgar naquele veículo foi um que denominamos "Arambaré, ontem" e no qual transcrevia textos elaborados por Marlei Gonçalves, membro de uma das tradicionais famílias do lugar, que se dedica (ainda hoje) a pesquisar sobre o passado e a cultura de Arambaré. Depois de um ano sem contato, voltamos a conversar, recentemente, sobre o trabalho que ele realiza junto com outros abnegados moradores que deverá resultar na edição de um livro sobre a história da cidade. O inusitado da publicação é que será toda em versos, originados da veia poética do "Tio Neco", um arambarense por adoção do qual falaremos com detalhes em outra oportunidade.

 De uma de nossas conversas com o Marlei, consegui arrancar-lhe um texto para a publicação aqui neste espaço. Uma bela alegoria sobre uma das riquezas mais conhecidas da cidade que, inclusive, serve como símbolo do lugar: as centenárias figueiras nativas que encantam os visitantes. Ei-lo:

                                         A    GRANDE   FIGUEIRA
                                                                                    Marlei Gonçalves

 Quando eu nasci? Só Deus sabe!

 Talvez tenha caído do bico de um passarinho - uma minúscula semente de figo - há muitos anos.

 Cresci aos poucos, protegida por outras árvores, alimentando-me do humo molhado pelo orvalho das madrugadas. Tornei-me a maior e mais alta árvore da região do lado oeste da Laguna dos Patos, servindo como um farol natural, marcando a direção.

 O primeiro bicho-homem que aqui apareceu foi um índio desgarrado a procura de caça. Foi nessa época que fui batizada com o nome de "Figueira da Justa" em homenagem a uma velha índia que viveu junto ao meu tronco e aqui fez morada.

 Na primavera, quando clareava o dia, era como se fosse cortina de um teatro que se abria para apresentar um espetáculo - o mais belo do mundo! O verde, com diversas nuanças, coloria as folhas das árvores e pássaros de toda espécie cantavam, anunciando um novo dia. A paz e a natureza faziam parte do espetáculo.

 Aos poucos, foram surgindo pessoas, barcos, navegações, mas convivendo com certa harmonia. Os primeiros carreteiros que aqui chegaram, foram protegidos pelos meus galhos como se fosse uma mãe que abraça seus filhos.

 A vida foi passando, passando, passando...até que chegaram os tempos modernos...

 O mais incoerente aconteceu. Quando terminou a minha paz, trocaram meu nome de "Figueira da Justa" para "Figueira da Paz".

 Penduraram garrafas de plástico em meus galhos. Instalaram lâmpadas artificiais com faroletes direcionados para cima de minha copa. Calçaram com cimento em volta de minhas raízes, construiram casas ao redor e fecharam com cercas e muros como se fossem donos do mundo. E, como se não bastasse, nos fins de semana uns loucos instalam som que, com a batida surda, mais parece canhão de guerra do que música.

 Os passarinhos abandonaram seus ninhos; as parasitas e orquídeas murcharam suas flores e morreram. Os meus galhos foram escorados com paus como  se fossem diversas muletas para eu não cair.

 É o princípio do fim!

 "Só Deus sabe"!

(Arambaré, 07.02.2012).

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