quarta-feira, 7 de setembro de 2011

OUVINDO SABIÁS

 Nunca tive bem certeza se é a primavera que nos traz o sabiá ou o sabiá é quem busca a primavera para nós. Não acredito em calendário, com datas computadorizadas e imutáveis. Acredito mais na primavera como um estado de espírito; como uma energia que se descobre invadindo nosso espaço, intercalando zunidos variados e tique-taques de corações batendo mais forte. Sempre procuro sinais dela para saber se já está chegando com sua luz e suas cores que enfeitam a vida e trazem mais encanto depois do cinza do inverno. Às vezes me engano. Como desta vez em que os ipês que margeiam a BR explodiram cedo em flores amarelas, enganados pela suavidade do final da estação anterior. Também a carrochinha, inquilina anual da nossa caixa de correspondência, se apressou em preparar seu ninho de amor, mas ainda não era a hora.

 O sabiá é meu norte. Ele não falha. O primeiro sinal de que o momento está próximo é quando aparece, ainda silencioso, entre os galhos da capororoca. Inquieto, saltitante, peito levantado, atento ao menor movimento em seu redor, ele se apresenta a seu público; aos que irão aplaudir seu canto depois que o espetáculo começar. Mas, ainda não é a hora. Quando a primavera autorizar ou quando ele a convocar, aí sim, vamos ouvir o mais melodioso e sentimental canto de um pássaro em nossa região. Não conheço outro que consiga despertar essa miscelânea de sentimentos. É preciso, no entanto, que saibamos escutá-lo, assim como se escuta uma bela sinfonia criada pelo homem. Também não conheço forma mais desumana de tratar a natureza do que a atitude egoista de aprisionar um pássaro com tal capacidade de mexer com nossos sentimentos. Quem condena um sabiá à prisão, privatizando seu canto, está nos roubando momentos que não poderão ser compensados. E o mais contraditório ainda é que sua condenação é pelo crime de disseminar a alegria.

 Fico imaginando que, se todos os sabiás estivessem engaiolados, não teríamos primavera, pois eu penso que a estação não aconteceria se não houvesse um sabiá para convocá-la a trazer-nos suas cores e suas flores. E, se não tivéssemos primavera, não haveria o amor à beleza e nem a vida multiplicada mil vezes para a continuação daquelas espécies que precisam dela para se multiplicarem.

 Benditos sejam, pois, todos os sabiás, que nos trazem as primaveras e benditas sejam todas primaveras porque nos trazem os sabiás, com seu porte; com sua graça e com seu canto-mensagem. Por certo,  a natureza os inventou para lembrar-nos que não somos os únicos belos e perfeitos de passagem por aqui.
(Wenceslau Gonçalves)

(Publicado na Gazeta Regional/Camaquã em 28.09.01)

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